terça-feira, 21 de julho de 2009

"Butch Cassidy", de George Roy Hill (1969)

Baseado em uma história verídica, o diretor George Roy Hill perscruta a vida do principais integrantes da famigerada gangue "buraco na parede", Butch Cassidy (Paul Newman) e Sundance Kid (Robert Reford), em diversas aventuras pelo que se convencionou chamar "velho oeste". Cassidy era a cabeça pensante; Kid era rápido no gatilho. Assim, contando com tais predicados, viviam do roubo, fosse de bancos, fosse do trem da Union Pacific.
O começo do filme motra uma sobreposição de telas, onde o espectador como que assiste a um filme que está sendo exibido na tela de um cinema. Tal filme consiste em filmagens, com aspecto de reais, da "buraco na parede", em sepia, enquanto o narrador explica como a gangue - notadamente a dupla - era temida na época.
Mas este não é um faroeste qualquer. A intenção de Hill não é a de mostrar, como é de praxe neste gênero, meramente ladrões sujos, durões e rudes. Busca-se a todo instante seu lado humano; o fazer piadas, o rir, o sentir emoções. Um exemplo claro disso é a sequência em que estão ambos fugindo de misteriosas pessoas que passaram a seguí-los incansavelmente, por vários dias: eles chegam a uma montanha, à beira de um precipício que, muitos metros abaixo, daria em um estreito rio de correnteza forte. Butch diz: - O jeito é pular. Quem pula primeiro? eu ou você? Sundance responde: - Não vou pular! vou ficar aqui e combatê-los! Então Butch diz: - Está louco?! se fizer isso, é morte certa! bom, eu pulo primeiro então. Você vem depois. E eis que Sundance vira, bastante envergonhado, e diz: "Eu não sei nadar!" E Butch cai na gargalhada. Sundance, para não sentir-se humilhado, acaba então pulando junto com Butch.
Outro exemplo evidente disso é o fato de os dois verem-se apaixonados pela mesma mulher, Etta Place, namorada de Sundance (interpretada por Katharine Ross) e isto não sercapaz de abalar o convívio dos dois, provando a nós o caráter de inseparabilidade da dupla, e fazendo-nos visualizar a forte amizade que se construíra entre eles.
Daí a clássica sequência em que Butch chega à casa em que Sundance e Etta estão dormindo, montado em nada mais nada menos que a novidade da época: uma bicicleta. Ele a acorda e chama para dar uma volta, somos brindados, durante o passeio, com a magnífica canção "Raindrops Keep Falling on my Head", de B. J. Thomas, e contemplamos expressões da mais sincera felicidade em seus semblantes. E o paradoxal momento seguinte, em que Sundance acorda e pergunta: - O que está fazendo, Butch?! Este responde: - Roubando tua mulher. E Sundance retruca: - Bah! pode ficar com ela...
Isto nos mostra o atagonismo das personalidades dos homens do velho oeste, ora suaves, delicados e românticos, ora machistas e brutos. Mas George Roy Hill soube nos apresentar com maestria este caráter contraditório, fazendo com que nós, espectadores, nos apegássemos aos dois, ao invés de os rechaçarmos, uma vez que são raros os faroestes que retratam pistoleiros ladrões tão humanos e cativantes, ou pelo menos de maneira tão sábia quanto neste filme.
Além do roteiro em si, outro elemento que muito chama atenção neste filme é a sensacional fotografia, que muita ênfase dá à diversidade de cores da flora, mostrando de diversos ângulos como a mata e as dunas de uma região tão castigada pelo sol e quase desértica, podem ser lindas. Tudo isto capitaneado pelo movimento pan de câmeras, recurso de filmagem bastante eficiente quando se pretende mostrar uma visão panorâmica de algum lugar, isto é, do alto a câmera permanece fixa no eixo, e gira da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, mostrando tudo que há na paisagem.
É de se ressaltar também outra particularidade deste filme: a viagem de Butch, Sundance e Etta à Bolívia, com o intuito de fugirem das perseguições nos EUA, afinal, eram já àquele tempo bandidos foragidos famosos em seu país de origem. Vê-se então muito bom humor em cenas como a que Etta os ensina o espanhol básico para fazer assaltos; ou a de Butch, durante o assalto a um banco, puxando um papelzinho para ler em espanhol, pois se esquecera do que devia falar; entre outras. E é, ainda durante a estadia do trio na Bolívia, que o espectador será conduzido à emoção máxima do filme.
Enfim, nuances de comédia, drama e aventura recheiam este filme de forma tão peculiar, além da inefável fotografia e da emocionante trilha sonora, que o fez angariar 4 Oscars, precisamente onde já era esperado: Melhor Roteiro, Melhor Fotografia, Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção.
Um verdadeiro documento cinematográfico.

domingo, 12 de julho de 2009

"Adivinhe quem vem para jantar", de Stanley Kramer (1967)

Uma obra-prima do cinema, vencedora dos Oscars de melhor roteiro original e melhor atriz para Katharine Hepburn.
Estrela aqui, em uma atuação brilhante, Sidney Poitier, como John Prentice, um renomado médico negro de 37 anos que, de passagem pelo Havaí, conhece a belíssima e jovem Joey Drayton (Katharine Houghton), de apenas 23. Os dois, em 10 dias, se apaixonam de maneira tão forte e vivaz, que têm a irredutível certeza de que querem casar e viver juntos pro resto de suas vidas.
Havia apenas um problema. John era negro, e Joey branca.
Se hoje os Estados Unidos ainda demonstram seu racismo de forma aberta como, por exemplo, segregando os negros dos brancos em bairros próprios (situação absurda, que faz lembrar a postura nazista de que os judeus deveriam viver em bairros só de judeus), na década de 60 a coisa era muito pior.
Apesar de toda a fama de Prentice como um ótimo médico, com um currículo de dar inveja, e provando ser homem de incontáveis virtudes, ao ser apresentado aos pais de Joey (situação que ela intempestivamente forçou que acontecesse, por ser inocentemente livre de preconceitos), causa um choque notório à mãe (aqui interpretada pela famigerada Katharine Hepburn), e mormente ao pai (Spencer Tracy), um homem de já bastante idade, que apesar de tomar para si o liberalismo e a igualdade das pessoas, tendo pregando durante a vida mil e mil princípios humanitários, vê-se diante de uma situação jamais imaginada: a própria filha apaixonar-se por um negro. Kramer, com maestria, nos expõe algo muito comum nas sociedades, muito visível nos movimentos sociais, que é a hipocrisia na defesa de certas causas. Protesta-se; mas, no fundo, não se aceita. A mãe, que vê na felicidade de sua filha, a sua própria, já aceitara. O velho, contudo, vê-se confrontado com seus princípios, e tendo como única opção decidir em poucas horas se aprovava ou não o casamento, visto que traziam um passagem de avião, e o vôo estava programado para algumas horas depois.
Como se não bastasse, Joey imprudentemente convida os pais de John a jantarem em sua casa. Ressalte-se que os pais de John eram negros, e possuíam para com os brancos as mesmas restrições que os brancos para com eles. O espectador é levado a perceber, portanto, que o preconceito (ou a revolta contra a outra raça) nunca foi unilateral, mas ambidestro (a), e de uma intensidade incrivelmente igual.
Trata-se de um filme dialogal. Passa-se quase todo o tempo dentro da residência dos Drayton, o que força o espectador a atentar menos para o cenário e mais para as falas. É também uma grande "sacada" o fato de cada personagem interagir em particular com outro, havendo, em cada conversa, falas belíssimas e provocantes àqueles que empunham um racismo, seja abertamente, seja subconscientemente.
O diretor procura a linguagem de cinema para fazer sua crítica mordaz ao preconceito racial, em cima da mudança moral que os personagens precisam assumir em pouco tempo em face do casamento premente dos nubentes.
Nessa esteira, brilhantes são os enquadramentos nas expressões faciais dos personagens, notadamente nas do pai e da mãe de Joey. Vemos o pai enfrentando seus demônios; querendo manter certas convicções e, ao mesmo tempo, encaminhando-se para a redenção de seu pré-conceito. E a mãe, que pouco a pouco, e no ritmo certo, vai aceitando a idéia, até apoiar o casamento, em situação de inamovibilidade. Muitos são os closes dados nas expressões da mãe, que ainda que não falasse coisa alguma o filme inteiro, falaria tudo, de onde resta inegável a perfeição da atuação de Katharine Hepburn. Tanto é verdade, que o filme lhe rendeu o Oscar de melhor atriz.
Julgo impredível um filme como este, capaz de arrebatar muitos corações bastante duros e subverter muito do racismo que ainda há no mundo.
Assistam!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

"Fanatismo Macabro", de Silvio Narizzano (1965)


Baseado no romance "nightmare" de Anne Blaisdell, este é um filme eminentemente filosófico.
Filmado em 1965, dirigido por Silvio Narizzano e cotando com a participação da célebre e saudosa atriz Tallulah Bankhead (consagrada por filmes como "Um Barco e Nove Destinos" de 1944, que fora produzido pelo grande cineasta Alfred Hitchcock, Czarina, entre outros) em seu último papel e de Donald Sutherland, além de outros que serão mencionados ao sul, este filme traz à baila uma crítica assaz contundente à deformação que o espírito humano (alegoricamente falando) sofre quando torna-se fanático por algo. De paixão/amor/crença, torna-se obsessão.
Na situação em tela, a espécie de fanatismo alvo de críticas é a do fanatismo religioso, um dos mais destrutivos de que a alma humana pode se valer. Tanto é assim, que recebeu a alcunha de "macabro", pela terrível postura da Sra. Trefoile (Bankhead) ante a jovem Pat (Stephanie Powers) que, após enviuvar de seu noivo, Stephen (e já noivara com outro), decide visitar a ex-sogra, para demonstrar educação e prestar condolências.
A anfitriã, que após fazer uma leve investigação em Pat, para descobrir se esta era religiosa aos moldes seu e de seus falecidos filho e marido, e descobrir, por meio de um discreto e entremeado interrogatório, que não, resolve mantê-la como hóspede na casa por mais tempo do que esta esperava ficar (ela não tenta fugir por uma mera questão de cortesia). Mas, pressionada que fica Pat com as "alfinetadas" e sermões que a Sra. Trefoile lhe aplica, decide dizer o que realmente pensa daquilo tudo, chegando ao ponto de afirmar que, se Stephen não houvesse morrido, ela teria dado fim ao relacionamento com ele de qualquer forma.
Esta atitude de Pat faz com que a Sra. Trefoile a tranque num quarto e, posteriormente, no sótão (lugar empoeirado e que fora, anos antes, o aposento do seu finado marido).
A partir de então, o filme toma bruscamente outro rumo, quando a doentia dona da casa passa a submetê-la a maus-tratos, provendo-lhe uma comida escassa, forçando-a escutá-la lendo diariamente trechos da Bíblia, coagindo-a fisicamente por meio de uma sua criada a fazer o que lhe ordenava, e até mesmo ameaçando-a com uma arma. Um exemplo perfeito daquilo a que se convencionou chamar cárcere privado. Tudo em nome de supostos ditames religiosos.
A grande discussão que o filme deixa no ar é: Deus aprovaria tal conduta? uma religião pode ser tão cruel? São questionamentos que os telespectadores, mormente aqueles que seguem fortemente uma religião, devem fazer a si próprios.
Isto nos leva a crer que, ao assistir esse filme, até os mais arraigados a uma religião sentem-se forçados a casuística de repensá-la, sobretudo no tocante ao seu limite, para que não exorbitem do eixo, qual seja: é dada aos indivíduos a liberdade de escolher uma religião ou religiosidade própria, mas eles deverão sempre atentar para que suas idéias não incluam opressões e violências físicas e morais a outros, pois, independentemente de qualquer coisa, a dignidade humana deve sempre prevalecer.
Este trabalho cinematográfico conta com cenas belíssimas, como a da doentia Sra. Trefoile que, tomada por enorme histeria, entra em um conflito interno, marcado pela luta entre a recordação de quem era outrora e a pessoa que se tornou depois do fundamentalismo religioso, onde ela, que não usava maquiagem nem espelhos, corre ao armário e aos prantos pega uma caixinha há muito guardada, e dela retira um batom, que passa nos lábios, e um espelinho onde se contempla, relembrando quem costumava ser. Seja pela filmagem em multicores nos momentos tensos próximo ao final do filme, seja pela presença de objetos vermelhos em demasia, constituindo uma ironia ácida, já que é considerada "a cor do diabo", coisa que inclusive a Sra. Trefoile chega a mencionar em um dado momento, o filme possui elementos de beleza inenarrável. Isso sem falar na cena do desfecho, que não cabe aqui relatar, mas que é profunda e interessantíssima do ponto de vista semiótico, estando aberta a diversas interpretações.
Filme filosófico, psicológico, axiológico, jurídico, enfim, obrigatório.

domingo, 5 de julho de 2009

"The Evil Dead - A Morte Do Demônio", de Sam Raimi (1981)


Decerto um dos meus filmes favoritos.
É considerado um dos thrillers mais influentes do cinema de horror moderno, tendo sido responsável por dar um impulso a filmes com temática demoníaca, como já preconizava 'O bebê de Rosemary' por exemplo (que provavelmente será objeto de outro post).
Cada ator empreendeu participações impecáveis. Bruce Campbell na pele de Ashley (ou Ash) Williams; Elen Sandweiss interpretando Cheryl; Richard DeManincor como Scott; Betsy Baker como Linda; e Theresa Tilly interpretando Shelley.
Mas a "atuação" que merece mais destaque e certamente aplausos mais calorosos é a de Sam Raimi, na direção (o mesmo que viria a dirigir Homem-Aranha anos mais tarde). Com apenas 22 anos, conseguiu fazer um filme (independente, diga-se de passagem) que realmente dá medo; dá medo pelas cenas horrendas de personagens às quais o telespectador já tinha criado um certo carisma (até porque são poucas) sendo possuídas pouco a pouco, ficando com os olhos revirados e embranquecidos, e escarnecendo daqueles em cuja alma o diabo ainda não penetrara. Ora falando com uma voz gutural e aterrorizante, ora falando com uma voz excessivamente angelical, o que dá mais medo ainda.
Com uma fotografia bastante setentista, além dos visuais das personagens no que tange a roupas e cortes de cabelo, este filme possui outra característica que influenciou muitos posteriores: a de mostrar um grupo de jovens, que viajam de carro rumo a uma casa no interior (todos felizes e empolgados), que são aniqulados depois. Muitas pessoas abrem a boca pretensamente pra dizer que isto, nos filmes de hoje, é clichê (o que não deixa de ser verdade), mas usam um tom que nos faz crer que consideram um roteiro ruim. É porque não sabem que deriva da década de 70, e que foi difundido por The Evil Dead, quando os jovens da época consideravam tal roteiro muito bom. Sou da opinião de que é um roteiro de fato muito interessante. Não só por esse detalhe, mas por todo o conjunto de acontecimentos.
É um filme curto, com ritmo rápido, de orçamento baixíssimo, que quase não lança mão de trilha sonora (o que é proposital) para tornar o enredo mais seco e realista.
Conforme observado anteriormente, trata-se de um grupo de 5 jovens que decidem viajar para o interior do Tenessee com a intenção de passar uma noite em uma casa que haviam alugado no meio da floresta. A primeira irônica indicação do horror que os esperava era uma placa, que precedia uma ponte quase caindo aos pedaços, onde estava escrito "Ponte perigosa: o risco é seu." Após assistir o filme quase 20 vezes, posso seguramente afirmar que tratava-se de fato de uma ironia, pois o "risco" não era apenas o de atravessar a ponte, mas de algo misterioso que estariam assumindo enfrentar após cruzá-la.
Já na casa, os 5 corajosos, ao jantarem, ouvem a portinhola de um alçapão abrir sozinha. Em outro momento, Cheryl, ao desenhar, é momentaneamente possuída, e desenha a partir da coação de uma força oculta, a figura do Necronomicom - o livro dos mortos, que mais tarde será encontrado por Ashley e Scott no porão. Além deste objeto, encontram também um gravador e um aparelho para reproduzir a fita. Eles ouvem-na na sala. É o relato de um arqueólogo, que descobriu que recitando um certo texto em latim, evocaria o demônio. Na fita, o próprio cientista o recita, e os jovens, inocentemente o escutam, de modo que a menção daquelas palavras desencadeia novamente o mal adormecido, sujeitando-os a partir de então a uma série de possessões demoníacas, que irão culminar em cenas clássicas, como o estupro que as árvores do bosque fazem a Cheryl, entre outras que prefiro não comentar, para proporcionar aos próximos telespectadores todo o deleite que o filme oferece.
Reitero: um clássico do terror. Vale a pena assistir!

sábado, 4 de julho de 2009

"Gothic", de Ken Russel (1986)


A simples menção deste título nos remete a que? Isso mesmo, à cultura gótica. Parece nome de documentário, mas trata-se de um filme, e um filme bastante interessante, por abrigar diversos caracteres das mais refinadas diretrizes cinematográficas.
Ambientado no séc. XIX, e dirigido por Ken Russel em 1986, foi e é capaz de revolucionar as mentes dos telespectadores, tendo inclusive influenciado Philip Kaufman a levar às telas o seu "Contos Proibidos do Marquês de Sade", que segue a mesma linha em vários aspectos.
Revolucionário. Talvez seja mesmo este o adjetivo ideal para, em uma só palavra, tentarmos definir este filme, que em cerca de 1 hora e meia soube agregar surrealismo, filosofia, romantismo, sexualidade, psicologia.
A partir de quando as personagens chegam à casa de Lord Byron, renomado poeta romântico, a linearidade do filme vai se tornando cada vez menos visível. Como nos musicais, onde de espaços em espaços, há personagens dançando coreograficamente e cantando uma música, neste filme a intermitência está em recitar poesias; mas com uma frequência tão grande, que ora pensamos estar lendo um livro romântico, ora julgamos estar na platéia de um teatro, assistindo a uma peça.
Aliás, muito há de teatralidade em "Gothic", seja pelos diálogos poéticos e até certo ponto rebuscados (recurso muito utilizado nas peças dos séc. XIX), seja pelo modo peculiar de as personagens "entrarem e saírem de cena", seja pelo seu ritmo aceleradíssimo.
Outro traço bastante curioso do filme é que as personagens interpretam pessoas que realmente existiram, como Lord Byron, interpretado por Gabriel Byrne; Mary Shelley (isso mesmo, a autora de Frankenstein!), interpretada por Natasha Richardson; seu marido, Shelley (Julian Sands); Claire Clermont (Myriam Cyr); o Dr. Polidori (Timothy Spall), que foi quem escreveu a biografia de Byron; entre outros.
Sendo assim, um dos enfoques do filme é tentar narrar as provações pelas quais Mary Shelley passou durante sua estadia na residência de Byron, que vivia exilado. Ela mesmo chegou a dizer que esta visita, marcada por sustos, estórias sobre fantasmas, e delírios, que Russel soube sabiamente descrever no filme, foi a responsável por incutir-lhe na cabeça a idealização de seu monstro Frankenstein. Liberdade de amor, liberação sexual, orgias, apologias a incesto, sodomia, entre outras parafilias, são bastante marcantes nesta obra cinematográfica, e cada personagem vai pouco a pouco sucumbido às tentações de uma vida de prazeres inexoráveis. Exceto Mary. Ela é a única que mantém-se ou tenta manter-se atrelada à realidade, à moralidade, e ao civismo durante toda a narrativa; são de tal modo envolventes as tentações supracitadas, que conquistam o telespectador, fazendo-o chegar ao ponto de achar Mary a personagem mais "careta" e chata de todas.
Um completo convite à filosofia e à Psicologia, pois discute a questão de como o moralismo tolhe impulsos humanos considerados normais, tornando-os reprimidos por uma questão de fato social, como por exemplo: casais agregarem outras pessoas a uma relação sexual, bissexualismo, etc.
Identifica-se também muitas nuances do goticismo na decoração interna da casa, bastante escura, e pela análise dos aposentos, que além de inúmeros, incluem lugares como masmorras, por exemplo.
É surreal pelo fato de a linearidade ser completamente quebrada em um dado ponto do filme (como acima já indicado), e dar lugar a sonhos e manifestações dos sentidos, cujo objetivo era demonstrar os medos mais íntimos das personagens, que ao fazerem uma espécie de ritual ao redor de uma cabeça de esqueleto, liberam um mal, que consistia em tornar materializados os medos das personagens diante delas, para confrontá-las a eles, e assim esperar que elas o fizessem para salvarem-se; caso não conseguissem, enloqueceriam. A partir daí, o filme torna-se de todo onírico. O telespectador não sabe mais quando vê realidade ou quando vê fantasia. Pode ser sonho. Ou não. É como um tratamento psicanalítico. Eis a beleza desta obra. Palmas a Ken Russel.