quarta-feira, 8 de julho de 2009

"Fanatismo Macabro", de Silvio Narizzano (1965)


Baseado no romance "nightmare" de Anne Blaisdell, este é um filme eminentemente filosófico.
Filmado em 1965, dirigido por Silvio Narizzano e cotando com a participação da célebre e saudosa atriz Tallulah Bankhead (consagrada por filmes como "Um Barco e Nove Destinos" de 1944, que fora produzido pelo grande cineasta Alfred Hitchcock, Czarina, entre outros) em seu último papel e de Donald Sutherland, além de outros que serão mencionados ao sul, este filme traz à baila uma crítica assaz contundente à deformação que o espírito humano (alegoricamente falando) sofre quando torna-se fanático por algo. De paixão/amor/crença, torna-se obsessão.
Na situação em tela, a espécie de fanatismo alvo de críticas é a do fanatismo religioso, um dos mais destrutivos de que a alma humana pode se valer. Tanto é assim, que recebeu a alcunha de "macabro", pela terrível postura da Sra. Trefoile (Bankhead) ante a jovem Pat (Stephanie Powers) que, após enviuvar de seu noivo, Stephen (e já noivara com outro), decide visitar a ex-sogra, para demonstrar educação e prestar condolências.
A anfitriã, que após fazer uma leve investigação em Pat, para descobrir se esta era religiosa aos moldes seu e de seus falecidos filho e marido, e descobrir, por meio de um discreto e entremeado interrogatório, que não, resolve mantê-la como hóspede na casa por mais tempo do que esta esperava ficar (ela não tenta fugir por uma mera questão de cortesia). Mas, pressionada que fica Pat com as "alfinetadas" e sermões que a Sra. Trefoile lhe aplica, decide dizer o que realmente pensa daquilo tudo, chegando ao ponto de afirmar que, se Stephen não houvesse morrido, ela teria dado fim ao relacionamento com ele de qualquer forma.
Esta atitude de Pat faz com que a Sra. Trefoile a tranque num quarto e, posteriormente, no sótão (lugar empoeirado e que fora, anos antes, o aposento do seu finado marido).
A partir de então, o filme toma bruscamente outro rumo, quando a doentia dona da casa passa a submetê-la a maus-tratos, provendo-lhe uma comida escassa, forçando-a escutá-la lendo diariamente trechos da Bíblia, coagindo-a fisicamente por meio de uma sua criada a fazer o que lhe ordenava, e até mesmo ameaçando-a com uma arma. Um exemplo perfeito daquilo a que se convencionou chamar cárcere privado. Tudo em nome de supostos ditames religiosos.
A grande discussão que o filme deixa no ar é: Deus aprovaria tal conduta? uma religião pode ser tão cruel? São questionamentos que os telespectadores, mormente aqueles que seguem fortemente uma religião, devem fazer a si próprios.
Isto nos leva a crer que, ao assistir esse filme, até os mais arraigados a uma religião sentem-se forçados a casuística de repensá-la, sobretudo no tocante ao seu limite, para que não exorbitem do eixo, qual seja: é dada aos indivíduos a liberdade de escolher uma religião ou religiosidade própria, mas eles deverão sempre atentar para que suas idéias não incluam opressões e violências físicas e morais a outros, pois, independentemente de qualquer coisa, a dignidade humana deve sempre prevalecer.
Este trabalho cinematográfico conta com cenas belíssimas, como a da doentia Sra. Trefoile que, tomada por enorme histeria, entra em um conflito interno, marcado pela luta entre a recordação de quem era outrora e a pessoa que se tornou depois do fundamentalismo religioso, onde ela, que não usava maquiagem nem espelhos, corre ao armário e aos prantos pega uma caixinha há muito guardada, e dela retira um batom, que passa nos lábios, e um espelinho onde se contempla, relembrando quem costumava ser. Seja pela filmagem em multicores nos momentos tensos próximo ao final do filme, seja pela presença de objetos vermelhos em demasia, constituindo uma ironia ácida, já que é considerada "a cor do diabo", coisa que inclusive a Sra. Trefoile chega a mencionar em um dado momento, o filme possui elementos de beleza inenarrável. Isso sem falar na cena do desfecho, que não cabe aqui relatar, mas que é profunda e interessantíssima do ponto de vista semiótico, estando aberta a diversas interpretações.
Filme filosófico, psicológico, axiológico, jurídico, enfim, obrigatório.

Um comentário: