sábado, 4 de julho de 2009

"Gothic", de Ken Russel (1986)


A simples menção deste título nos remete a que? Isso mesmo, à cultura gótica. Parece nome de documentário, mas trata-se de um filme, e um filme bastante interessante, por abrigar diversos caracteres das mais refinadas diretrizes cinematográficas.
Ambientado no séc. XIX, e dirigido por Ken Russel em 1986, foi e é capaz de revolucionar as mentes dos telespectadores, tendo inclusive influenciado Philip Kaufman a levar às telas o seu "Contos Proibidos do Marquês de Sade", que segue a mesma linha em vários aspectos.
Revolucionário. Talvez seja mesmo este o adjetivo ideal para, em uma só palavra, tentarmos definir este filme, que em cerca de 1 hora e meia soube agregar surrealismo, filosofia, romantismo, sexualidade, psicologia.
A partir de quando as personagens chegam à casa de Lord Byron, renomado poeta romântico, a linearidade do filme vai se tornando cada vez menos visível. Como nos musicais, onde de espaços em espaços, há personagens dançando coreograficamente e cantando uma música, neste filme a intermitência está em recitar poesias; mas com uma frequência tão grande, que ora pensamos estar lendo um livro romântico, ora julgamos estar na platéia de um teatro, assistindo a uma peça.
Aliás, muito há de teatralidade em "Gothic", seja pelos diálogos poéticos e até certo ponto rebuscados (recurso muito utilizado nas peças dos séc. XIX), seja pelo modo peculiar de as personagens "entrarem e saírem de cena", seja pelo seu ritmo aceleradíssimo.
Outro traço bastante curioso do filme é que as personagens interpretam pessoas que realmente existiram, como Lord Byron, interpretado por Gabriel Byrne; Mary Shelley (isso mesmo, a autora de Frankenstein!), interpretada por Natasha Richardson; seu marido, Shelley (Julian Sands); Claire Clermont (Myriam Cyr); o Dr. Polidori (Timothy Spall), que foi quem escreveu a biografia de Byron; entre outros.
Sendo assim, um dos enfoques do filme é tentar narrar as provações pelas quais Mary Shelley passou durante sua estadia na residência de Byron, que vivia exilado. Ela mesmo chegou a dizer que esta visita, marcada por sustos, estórias sobre fantasmas, e delírios, que Russel soube sabiamente descrever no filme, foi a responsável por incutir-lhe na cabeça a idealização de seu monstro Frankenstein. Liberdade de amor, liberação sexual, orgias, apologias a incesto, sodomia, entre outras parafilias, são bastante marcantes nesta obra cinematográfica, e cada personagem vai pouco a pouco sucumbido às tentações de uma vida de prazeres inexoráveis. Exceto Mary. Ela é a única que mantém-se ou tenta manter-se atrelada à realidade, à moralidade, e ao civismo durante toda a narrativa; são de tal modo envolventes as tentações supracitadas, que conquistam o telespectador, fazendo-o chegar ao ponto de achar Mary a personagem mais "careta" e chata de todas.
Um completo convite à filosofia e à Psicologia, pois discute a questão de como o moralismo tolhe impulsos humanos considerados normais, tornando-os reprimidos por uma questão de fato social, como por exemplo: casais agregarem outras pessoas a uma relação sexual, bissexualismo, etc.
Identifica-se também muitas nuances do goticismo na decoração interna da casa, bastante escura, e pela análise dos aposentos, que além de inúmeros, incluem lugares como masmorras, por exemplo.
É surreal pelo fato de a linearidade ser completamente quebrada em um dado ponto do filme (como acima já indicado), e dar lugar a sonhos e manifestações dos sentidos, cujo objetivo era demonstrar os medos mais íntimos das personagens, que ao fazerem uma espécie de ritual ao redor de uma cabeça de esqueleto, liberam um mal, que consistia em tornar materializados os medos das personagens diante delas, para confrontá-las a eles, e assim esperar que elas o fizessem para salvarem-se; caso não conseguissem, enloqueceriam. A partir daí, o filme torna-se de todo onírico. O telespectador não sabe mais quando vê realidade ou quando vê fantasia. Pode ser sonho. Ou não. É como um tratamento psicanalítico. Eis a beleza desta obra. Palmas a Ken Russel.

6 comentários:

  1. Igor, após ler teus minunciosos cometários sobre esta obra algo veio em mente: a única vez que fui para a a sessão maldita. Filme que se deleita em Peirce e Saussure e tem o objetivo de mostrar ao telespectador um outro olhar, ou melhor, inseri-lo em outra realidade, entrando da dualidade do ser, o conflito do eu... Boa análise e peço apenas que faça uma crítica de um filme que já vi.

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  2. O goticismo me soa como uma caixa de sentimentos e ações do submundo, sentimentos esses que o homem parece lutar contra, na verdade o homem é um ser muito "medroso" não é não? Ora procura o desconhecido para se conhecer melhor, ora para se refugiar de si mesmo. Não assisti o Gothic, mas com toda certeza não vejo problema algum em escreveres sobre obras que nunca vi, afinal de contas as análises deveriam ser feitas também com o intuito de despertar o desejo do espectador ou cinéfilo, que seja, em ver a obra. sinceramente prefiro ler as criticas antes, assim vou com a mente mais preparada, vou menos perdida e posso comparar as criticas com as que meu ser irá expelir. Parabéns, análise bem minunciosa, mas escolha um foco, abra o leque em algum paragrafo, falo isso pelo simples fato de que quando comecei a me excitar com o texto ele simplesmente acabou.

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  3. obrigado débora e nique pelos elogios :)
    quanto às criticas, tentarei atender ao que me pedem ;)

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  4. não existe a palvra "estória"

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