sexta-feira, 19 de março de 2010

“Como era verde meu vale”, de John Ford (1941)

Após nos presentear com belíssimos westerns como “Rastros de Ódio” e “No Tempo das Diligências”, o diretor John Ford, que não só mostrou ao mundo que o cinema western é digno de aplausos, como também catapultou John Wayne ao sucesso, faz-nos render reverências mais uma vez com “Como era verde meu vale”. Principalmente por não seguir sua linha habitual, por não estar no terreno costumeiro do cineasta.
Trata-se de um drama, ambientado no País de Gales, na mesma época de sua produção.
O filme, contemplado que foi com 5 Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia em Preto e Branco, Melhor Direção de Arte em Branco e Preto e Melhor Ator Coadjuvante), faz jus à premiação. São poucos os filmes que nos emocionam não importa quantas vezes os assistamos, e este é um deles. Há críticas, por exemplo, pelo fato de que recebeu imerecidamente o Oscar de Melhor Filme, por tê-lo “tirado” de “Cidadão Kane”, de Orson Welles (considerado por muitos o melhor filme já feito).
Não obstante – e não tirando o mérito de “Cidadão Kane”, indiscutivelmente um filme impecável – “Como era verde meu vale” tem também seus prós.
Versa, acima de tudo, sobre a história de uma família. Mas o que é mais interessante é que agrega, como pano de fundo, elementos políticos, sociais, econômicos e morais; ainda por cima de maneira propositalmente escancarada. Daí poder-se dizer, qual o The New York Times, que é um filme de “grande charme e personalidade”.
Junte-se a isto o fato de ter sido produzido por Darryl F. Zanuck, um dos maiores produtores da história do cinema.
O protagonista é o garoto Huw Morgan (Roddy McDowall), caçula de uma prole composta por 6 irmãos ao todo (5 homens e uma mulher). Como era costume dizer-se nas peças escritas para serem encenadas no teatro, “quando o pano sobre” o narrador-personagem Huw Morgan, com 60 anos de idade, está prestes a deixar o vale onde residiu por toda a sua vida até então e, ao observá-lo destruído, sujo, e sentir falta de sua família e amigos – agora já falecidos – tem um momento nostálgico, e passa a lembrar-se detalhadamente dos bons (e maus) momentos de sua infância.
A partir de então, John Ford lança mão de dois elementos que nos fazem ter o mesmo sentimento saudosista de Huw: a trilha sonora deveras melancólica e a perfeita fotografia em preto e branco. Tudo isto nos deixa à vontade, fazendo com que nos sintamos personagens; parte do todo que é a história daquele lugar.
Vê-se as pessoas felizes e em harmonia, as tradições familiares, a cultura galesa de meados do séc. XX. Há uma ênfase enorme no dia-a-dia dos trabalhadores das minas de carvão (destaque-se que os 4 irmãos homens de Huw e seu pai também o eram). É recorrente no transcorrer do filme o modo como Ford insiste em nos mostrar a religiosidade, a força, a respeitabilidade e a honra das famílias. Fica mais do que explícita sua preocupação em demonstrar o quanto os costumes foram subvertidos pela modernização social que, em contrapartida, trouxe a degeneração cultural e o individualismo.
Ao longo da “fita”, há um desenrolar de acontecimentos de onde se depreende a decadência moral advinda dos primeiros ideais socialistas, o movimento operário, a luta pelos direitos sociais dos trabalhadores. Sempre se comenta a respeito do progresso que estas lutas trouxeram, mas nunca se explora o lado subversivo da bela e humana cultura. E isto vale para todo o mundo e para toda forma de progresso que sacrifique os costumes.
É emocionante acompanhar a trajetória de um menino inocente que, vendo a sociedade transformar-se tanto, mormente por se estar vivendo o período da 2ª Guerra Mundial, transforma-se também, passando a assimilar o que seus irmãos mais velhos já sabiam a respeito de união familiar; cite-se também a maturidade que ganhou com as brigas na escola (teve o privilégio de ser o único dos filhos a freqüentá-la), e o fato de que, não obstante havê-la concluído, resolver não ir para a faculdade, mas trabalhar nas minas como seu pai e seus irmãos.
Outra personagem curiosa é a sua única irmã, Angharad, interpretada por ninguém menos que Maureen O’Hara (de “Milagre na Rua 34”). É extremamente recatada, e educada para ser idêntica à mãe, isto é, viver para cuidar da casa, do marido e dos filhos. Porém, tem problemas quando acaba por apaixonar-se pelo padre do vilarejo, que corresponde ao sentimento, e acaba precisando ir embora. Angharad acaba casando-se com um homem rico, filho do dono das minas de carvão, e torna-se uma mulher infeliz; mas sempre com esperanças de um dia reencontrar o padre, e passar o resto de seus dias ao lado deste. É quando John Ford põe em campo um elemento na época muito rechaçado: cogitação de divórcio. Sempre representando a degeneração cultural e sua transição.
Filme apaixonante, capaz de arrebatar o coração de todos aqueles que consideram a família e suas tradições como valores intocáveis e, ao mesmo tempo, causar repúdio ante a deslindação dos antagonismos do progresso político e econômico, paradigma arraigado e eterno da humanidade.


2 comentários:

  1. Mais uma vez tenho o prazer de ler seus posts muito bem escritos. Difícil pensar que eu me considerava cinéfila e depois de ler seu blog descobri que não vi muitos filmes importantes. ^^

    Acho que o seu blog funciona como um "fica a dica" para mim, já que sempre vou direto para a locadora procurar os inúmeros títulos que você já citou por aqui.
    Continue escrevendo. Até agora nenhuma dica me decepcionou, muito pelo contrário.

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  2. ooownnn cibele, obrigado!
    é uma honra receber um elogio assim de uma pessoa que, a meu ver, conhece muito de cinema :D

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