terça-feira, 17 de agosto de 2010

Trilogia dos Apartamentos - Parte I - "Repulsa ao Sexo" (1965), de Roman Polanski



Momentos há, na história do cinema, em que certos Diretores resolvem filmar uma trilogia. E a trilogia não precisa ser sequencial ou planejada; basta que a temática seja convergente.
Foi assim que um de meus cineastas favoritos - Roman Polanski - capitaneou o surgimento de uma das mais magníficas trilogias cinematográficas, a chamada "Trilogia dos Apartamentos", encabeçada por "Repulsa ao Sexo", de 1965, seguida de "O bebê de Rosemary", de 1968, e finalizada por "O Inquilino", de 1976.
Por isso tive a ideia (mais um desafio que uma ideia) de comentar cada um deles, em sua ordem cronológica, ao modo de Polanski. O presente texto versa, destarte, como seu título antecipa, sobre o filme inaugural, "Repulsa ao Sexo".
Este filme inicial é indubitavelmente o mais forte e macabro dos três.
Ressalto, antes de mais nada, que seu título original é apenas “Repulsion” (Repulsa), evidentemente mais genérico que o da tradução. Os brasileiros assim o nomearam devido ao fato de o filme centrar-se na aversão á conjunção carnal da protagonista Carol Ledoux, interpretada pela belíssima Catherine Deneuve, cujo talento é flagrante, e viria a ser confirmado mais tarde em filmes como “A Bela da Tarde”, do espanhol Luis Buñuel, realizado em 1967. Porém, Carol é aversa não tão somente ao sexo, mas aos homens em geral e às relações estreitas que estes pretendem com as mulheres constituir. É indiscutível que a protagonista sofre de androfobia.
Trata-se de um roteiro simples, mas que nem por isso deixa a desejar.
Polanski fez questão de nos mostrá-la desde o princípio como alguém que possui algum tipo de transtorno. Basta a filmagem em plano detalhe de seu olho na sequência inicial para que identifiquemos isso. Está claro o efeito da degeneração de sua psique, o que já existia desde quando a história começa a ser contada. Se por coerção social, ou se é um transtorno psicossomático inato à personagem, não discutirei aqui. Tirem suas conclusões.
Carol trabalha como manicure, e vive num apartamento alugado com sua irmã Helen (Yvonne Furneaux). Nessa esteira, a fotografia é quase uma personagem, uma vez que é a responsável pela criação da atmosfera de penumbra e angústia que embalará o espectador em todo o transcorrer da película. Polanski optou por um preto e branco, onde prevalece o preto ao branco, fazendo lembrar o cinema noir. Somos levados a observar algo que hoje, de tão corriqueiro, nos passa tão despercebido quanto as desigualdades sociais ou os preconceitos: a pressão que os homens fazem sobre as mulheres com o intuito de conquistá-las.
Percorramos as ruas de Londres juntamente com Carol, e veremos o quanto se lhe chama a atenção, e o número de homens interessados. É claro que nem todas as mulheres recebem tal assédio; mas, por menor que seja, é sempre um constrangimento à posição auto-valorativa que a cultura lhes relegou.
Mas voltemos ao cerne da questão.
A “perseguição” é tamanha, que potencializa a androfobia de Carol, fazendo-a abandonar seu emprego e viver reclusa no apartamento. E o momento é crucial, pois a irmã viajara com o namorado, deixando-a, portanto, sozinha. É quando Carol passa a ter alucinações, como a de ver as paredes rachando ou ouvir passos do lado de fora de seu quarto.
A dicotomia delírio x realidade é manifesta neste filme à maneira que o Diretor imaginou para todos os filmes que versassem sobre esta temática. Isto significa que os dois posteriores estão também impregnados dela.
Aos poucos vemos a desagregação do resto de razão que ainda sobrava a Carol, quando ela mata 3 homens que visitaram seu apartamento: o primeiro, um estuprador (fica a dúvida se este era real); o segundo, um homem que desde o começo da narrativa tentava conquistá-la; o terceiro, o locador do imóvel.
O desespero kierkegaardiano do qual se torna vítima não é somente sintomático a nível individual, mas em escala nacional (ou até mesmo mundial, onde quer que a cultura seja similar a que ora se comenta). O que Polanski quer de nós é que abramos os olhos a esta massiva “perseguição masculina”, que oprime e sufoca as mulheres, perpetuando o machismo e obstando o progresso da igualdade entre os sexos. O grito de Carol é o grito cosmopolita das mulheres.
Agora só uma observação: ignorem o ruído que acompanha o filme do início ao fim, fruto de um péssimo lançamento da Cinemagia, única a disponibilizar até então no Brasil a película em questão; ignorem também o fato de o filme ter sido realizado na Inglaterra e ainda assim só existir áudio dublado em francês. Apesar disso, estarão diante de uma grande obra de arte.

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