sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Roma", de Federico Fellini (1972)

 “Roma é a cidade das ilusões. Não é por acaso que você tem aqui a Igreja, o governo, o cinema. Cada um produz ilusões...”




Este filme faz parte da época em que Fellini, já consagrado, a cada filme que fazia já esperávamos a premiação que viria. Nada injusto, pois foi uma obra-prima atrás de outra, deixando-nos o legado de alguém que sabia de fato fazer cinema.
Sendo assim, decidi comentar aqui a respeito de “Roma”, de 1972, um dos que mais me interessam na filmografia do Diretor.
Em primeiro lugar, é preciso destacar o quanto Fellini era obcecado por Roma, mesmo tendo nascido e sido criado em Rimini. Não foi a primeira vez que a famosa cidade foi objeto de seu olhar, pois em Satyricon (de 1969), adaptação da obra homônima de Petrônio, ele nos mostrou uma imagem lisérgica de Roma, mas em sua época clássica (não de esplendor, mas de decadência, motivo de escárnio). Nem por isso ela deixou de ser apreciada na época: recebeu indicação a Oscar e influenciou sensivelmente o ideal hippie ainda existente.
Mas voltemos ao que interessa.
Neste “Roma”, a intenção do cineasta italiano foi perpassar não a clássica, mas a moderna Roma, fazendo-nos caminhar pela cidade como se fôssemos turistas que ninguém pudesse ver.
Analisa, mais do que tudo, os costumes da sociedade romana atual, fazendo severas, porém discretas críticas àqueles que teriam “perdido a identidade de romanos”. Fellini faz o tempo todo um paralelo entre as duas Romas, querendo mostrar o quanto a ideia que o mundo tem da cidade está ultrapassada, em vista da mudança que tem se processado. Tudo por conseqüência da globalização, que em muito contribui para a perda da força de uma cultura, em nome de uma universalização forçada para aproximação entre as nações.
Os personagens são irrelevantes. O Diretor se utiliza de alguns apenas para dar impulso às cenas; mas perscrutar-lhes as vidas, o porque de estarem nos lugares onde aparecem etc, não tem importância nem para o espectador.
Fica patente a desnecessidade de se trabalhar para este a construção de uma trama. Isto porque, em primeiro lugar, o filme não é linear. Em segundo, tem caráter eminentemente documental.
Se nos descortina a realidade da vida em Roma, desde o ensino escolar – passando por uma cena de trânsito, outra de pessoas no teatro, outra num restaurante etc – até a vida noturna, marcada pela prostituição. E sem economizar no cinismo!
O que nos chama a atenção também com bastante freqüência é a exibição viva da arquitetura romana, em imagens memoráveis. Li em algum lugar que Fellini sabia fazer suas críticas sem deixar que se perdesse a magia do cinema. Isto fica mais do que claro neste filme. Os amores, as desilusões, a sujeira das pessoas, e todos os demais acontecimentos corriqueiros, tudo está enquadrado de maneira poética.
Uma das principais cenas para mim é a dos operários subterrâneos, que pretendiam construir um metrô para melhorar o trânsito na cidade. Um diz para outro algo como “O subterrâneo de Roma está cheio de relíquias. Aqui não somos somente operários, mas arqueólogos. Logo, precisamos trabalhar devagar”. E, em seguida, descobrem as ruínas de uma antiga casa romana, que já contava com 2.000 anos de idade. É proposital a disparidade entre seu ambiente interno, e o que reinava ali em cima, em pleno século XX: a placidez e a beleza das pinturas que decoravam o ambiente (diga-se de passagem, bem barroco) antagonizadas pelo modernismo progressista.
Por fim, ressalto a trilha sonora, intercalada pelos sons das próprias ruas de Roma e os da genial música de Nino Rota, que fez parceria com Fellini (e com outros Diretores de renome) em diversos filmes.
Em síntese, indico este filme a quem possa interessar ver um verdadeiro retrato da Roma contemporânea, esta cidade tão carregada de história e poesia, mas cuja identidade memorial está cada vez mais em xeque, em face das transformações políticas, sociais e econômicas.