sexta-feira, 1 de outubro de 2010

"Koyaanisqatsi", de Godfrey Reggio (1983)



A peculiaridade é o que marca este filme-documentário do cineasta experimental Godfrey Reggio, que contou na produção com ninguém menos que o dinossauro Francis Ford Coppola (de “O Poderoso Chefão”, “Apocalipse Now”, entre outros).

Trata-se de um inovador olhar, transbordante de inquietações e críticas, lançado à vida moderna. É uma verdadeira aula de cinema, pois reúne incontáveis modos de filmagem, seja de planos, de enquadramentos, de montagem, de musicalidade, entre outros.
O vocábulo “Koyaanisqatsi” provém da tribo indígena americana HOPI, e significa “vida em desequilíbrio”.
Total e exclusivamente baseado em imagens, possui a duração de quase 1 hora e 30 minutos, divididas de maneira tênue em duas partes.
No princípio enfoca a natureza, fazendo uma metáfora do desequilíbrio, quando exibe, em fast motion, acontecimentos naturais que ocorrem lentamente em, ao passo que, em slow motion, acontecimentos naturais que ocorrem rapidamente.
Posteriormente, dedica-se a mostrar o cotidiano febril das grandes metrópoles, e de maneira assaz poética. O vai-e-vem urbano diário é o objeto de cenas caóticas em velocidade diferente da normal, o que nos faz vislumbrar algo que no dia-a-dia não nos damos conta: o quanto as pessoas são escravas do tempo, das funções e dos padrões impostos pela civilização.
Neste filme, tudo são antagonismos. O simples de fato de mostrar primeiro a natureza em suas manifestações livres e independentes e, sem aviso, passar a enquadrar seres humanos e o mecanicismo da vida repetitiva e rotineira à qual estão presas causa-nos um grande impacto; nos confrontamos com uma fatal auto-reflexão sobre nossos valores e o significado da liberdade, que pode ser apenas ilusória.
Há mais paradoxos nas entrelinhas. Seja quando as ondas são mostradas lentamente – denotando aquilo que, por se nos afigurar impossível, seria um evidente desequilíbrio -, ou quando a formação das chuvas é focalizada acontecendo de maneira acelerada, isto é, também desequilibrada. Pode-se citar também os enquadramentos do trânsito ocorrendo em velocidade super-acelerada, fazendo uso das mais modernas técnicas digitais que existiam à época. A cultura oitentista é também objeto documental, porquanto é flagrada a “geração-videogame”, dos garotos cuja diversão tornara-se quase dependente do “eletrônico”, ou o figurino das pessoas, que nos descortina os cabelos e as roupas da época.
Godfrey Reggio preocupa-se, ainda, com a problemática ambiental. Posiciona-nos como espectadores externos de nós mesmos, fazendo-nos perceber o quanto somos contraditórios ao destruir a natureza em nome de interesses econômicos, sem nos apercebermos que, desta maneira, advirá a destruição dos próprios homens. Após estes quase 90 minutos, torna-se evidente a auto-destrutividade irrefreável da sociedade contemporânea.
Achei interessante também a retomada da sacada de Charles Chaplin em “Tempos Modernos”, porém adaptada à atualidade: a devastadora Revolução Industrial, que produziu diversas indignações na classe operária e inspirou a crítica brilhante e oportuna de Chaplin é mostrada em moldes contemporâneos, quando estão em foco trabalhos ora trabalhos puramente mecânicos, ora a ação assoladora das máquinas.
Dois elementos acompanham a película do início ao fim: primeiro, a trilha sonora ininterrupta de Philip Glass, que dá o tom preciso às imagens que estão sendo mostradas, certas vezes até propositalmente antagônico, como por exemplo um arranjo lento para imagens rápidas, ou vice-versa; e segundo, as profundidades de campo e de tempo, pois há constantes travellings em eixos fixos ou móveis, grandes planos gerais (que trazem uma ótima noção descritiva), além de que a complexidade de tempos fílmicos causa a persistência visual da imagem e do tempo de exposição.
Para finalizar, só um aviso a todos que pretendam assistir a este documentário: é irreversível.
Após absorvê-lo, impossível sair às ruas, dentro do grande círculo urbano, e não pensar: “Koyaanisqatsi!”.

2 comentários:

  1. Feliz 2011, Igor

    Sou do site www.outroladodanoticia.net

    Buscamos por blogueiros/as com interesse em escrever sobre cinema no site e ter seu blog e perfil divulgados.

    Caso tenha interesse entre em contato no robertobarricelli@outroladodanoticia.net

    Grato,

    Atenciosamente,

    Roberto L. Barricelli

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  2. Nossa, que texto!
    Eu adoro filmes que agem como instrumentos libertadores ou que, pelo menos, nos façam refletir sobre nossa realidade.
    Eu senti o mesmo quando vi "1984", que foi adaptado do livro homônimo de George Orwell. Eu devo dizer que não tinha ouvido falar desse filme comentado no seu post, mas agora mal posso esperar para poder alugar ou baixar.
    Seus posts são sempre um refúgio/salvação para mim, pois sei que sempre posso contar os mesmos quando estou sem idéia de que filme assistir.

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