segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Rango" (2011), de Gore Verbinski




A recente animação Rango ultrapassa as expectativas de muitos, que esperavam ver um filme simples, sem surpresas e sem um propósito último que abrigasse uma importante crítica a algo ou alguém. Ao contrário do que muitos esperavam, foi sucesso de crítica no mundo, e tem chances até mesmo de concorrer ao Oscar 2012 de melhor longa de animação.


O filme é uma espécie de faroeste moderno, já influenciado pelas concepções filosóficas e artísticas do existencialismo e do antieroísmo. Trata-se da história de um lagarto de estimação (Rango) que vive em uma espécie de redoma de vidro e que, após perder-se de seus donos num infeliz quase-acidente na estrada, acaba por ver-se sozinho em meio a um deserto no México. Rango passa então a peregrinar pelas áridas pradarias, até chegar à cidade de Poeira, onde só há outros animais, estes vivendo e agindo tal qual seres humanos. Lá, muitas aventuras acontecem.

Assinada pelo mesmo diretor de Piratas do Caribe – Gore Verbinski –, a fita decididamente não é para crianças. É absurdamente inteligente, vez que possui um roteiro muito bem elaborado, com diálogos profundos e às vezes um pouco rebuscados, que podem vir a causar certo atraso de compreensão pelo público médio e, principalmente, pelo público infantil. Acontece o que é muito comum: o público irá se irritar com os diálogos, pois esperava vê-los diluídos em linguagem acessível, e entenderá o filme apelas pelo contexto geral, já que sua linearidade – que não foge aos padrões estadunidenses – permite isso. Dirão que o filme é chato e que já viram muitos melhores. As crianças reclamarão que é de difícil compreensão.

Contudo, basta manter a atenção e a concentração, pois este filme não é um bicho de sete cabeças. Apenas é que poder-se-ia dizer, para utilizar a expressão alcunhada por Umberto Eco, que estamos diante de um filme “apocalíptico”.

Há realmente um diferencial em relação a muitas outras animações. Vi o trailer de “Rio”, o novo projeto de animação de Carlos Saldanha (da trilogia “A Era do Gelo”), e a impressão que tive é que é notório o quanto segue certos padrões, sem nos apresentar algo novo, a não ser aquilo que já se espera das animações regulares.

Rango é um filme que traz importantes críticas para a sociedade contemporânea de diversas maneiras. Por um lado, critica o consumo desenfreado e irracional de água, cuja escassez crescente pode se tornar o maior problema crônico do futuro. As pessoas sabem muito bem que sem comida e/ou sem água ficam embrutecidas, e que o frio instinto de sobrevivência individual prevalece, não havendo mais lugar para sentimentos calorosos como o amor ao próximo. E ainda assim ninguém se preocupa em racionar, ou utilizar este recurso natural de maneira sustentável para garantir às próximas gerações a desnecessidade de uma 3ª Guerra Mundial ocasionada pela falta de água. A apropriação exagerada do recurso por uns enquanto falta para outros é flagrante quando se percebe o modo de vida dos cidadãos de Poeira. Todos vivem em função da água e, enquanto não conseguem seu quinhão, nada mais importa.

Outra importante crítica que este filme faz é sobre o falso heroísmo social. Seja em larga escala, como a de presidir uma nação ou a ONU, ou em escala mais restrita, isto é, em círculos sociais ou grupos, há sempre alguém que se destaca pelo carisma ou pela vocação para liderança. Há entre estes, porém, muitos que querem apenas aproveitar-se do poder para benefícios pessoais; mas quando se vêem ameaçados, não sabem como reagir.

Rango queria ser respeitado na cidade, pois temia ser considerado fraco e vulnerável pelos demais habitantes devido à sua aparência mais nobre, que contrastava com a maltrapilha e sofrida dos demais. Passa então a contar vantagens, inventar mentiras sobre proezas suas que na verdade nunca existiram. Torna-se então um grande líder da cidade, que condecoram xerife. Com o tempo, vindo a verdade à tona, ele precisa se redimir com a cidade – e consigo mesmo.

Neste ponto o filme sofre certa virada, onde o protagonista passa a tentar compreender o sentido de sua própria existência através de uma longa caminhada, onde conversa com o “espírito do oeste”, figura já muitas vezes retratada em outros contos faroestes.

Ao assistir este filme, me veio à cabeça os dois primeiros versos do poema de Manuel Bandeira: “Vou-me embora para Pasárgada, lá sou amigo do rei”. Rango não é amigo do rei; torna-se o próprio “rei”. Mas talvez não estivesse preparado para as responsabilidades correlatas. Há aqui um caráter existencialista escancarado, pois o espírito do oeste aconselha Rango a que procure seu próprio caminho, e que não fuja daquilo que precisa fazer, o que decerto põe num alto patamar a existência – ainda que desagradável – como condição humana (cuja única fuga possível é o suicídio), mas que deve prioritariamente ser suportada e conduzida de acordo com o que é dado a cada um.

E falando em existencialismo, me lembrei também daquela frase de Sartre: “Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer.” É por isso que Rango resolve retornar a Poeira – pois fugira com medo do maior vilão da cidade (o Jake Cascavel) –, para enfrentá-lo custasse o que custasse – até mesmo sua vida.

Vale a pena conferir esta animação elogiadíssima, cujo dublador de Rango é ninguém menos que Johnny Depp.

2 comentários:

  1. Muito bom Igor. Eu nunca tinha lido um texto seu sobre filmes mais atuais, fora que essa produção foi uma ótima escolha =D

    Dá uma lida no meu novo post, também sobre cinema.

    Beijos

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  2. Tem um cara que mora aki perto que é igual esse camaleão.

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