sexta-feira, 6 de maio de 2011

"Festim Diabólico" (1948), de Alfred Hitchcock




Considerado um filme do início da fase madura de Alfred Hitchcock – aquela em que já definira seu estilo – “Festim Diabólico” serviu para consolidá-lo ainda mais no rol dos maiores cineastas de todos os tempos.

Este filme de 1948, roteirizado por Arthur Laurents, baseou-se numa peça teatral de Patrick Hamilton que, por sua vez, inspirou-se na história real de Leopold e Loeb. Ainda que a história não tenha sido concebida por Hitchcock, este soube dar a ela, graças à sua genialidade habitual, uma dimensão autêntica, peculiarmente magistral.

Cuida-se do caso de Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) que, pelo prazer de uma macabra experimentação e pela excitação do perigo da descoberta decidem, com muita torpeza, assassinar David (Dick Hogan), um jovem estudante de Harvard conhecido deles.

Estrangulam-no com uma corda e colocam-no num baú – que lembra um caixão – no dia em que uma festa seria realizada no apartamento em questão. Protagonistas de um sadismo desmedido, com destaque para Brandon (o idealizador do crime), jantam com amigos, familiares e uma ex-namorada do morto – fazendo do baú, inclusive, a mesa principal da ceia – enquanto David ali jaz.

O filme sofre uma grande virada com a chegada de Rupert Cadell, ex-diretor da escola em que Brandon e Phillip estudaram, interpretado pelo astro James Stewart. Ele passa a notar certas atitudes suspeitas na conduta dos assassinos, o que o leva a desconfiar que há algo errado. Passa a inquiri-los quando tem oportunidade e, como um detetive, começa a descobrir tudo lentamente, embora se recuse a acreditar na repulsiva verdade.

A festa termina, os convidados vão embora. Brandon e Phillip respiram aliviados e já confabulam sobre o lago em que pretendem atirar o corpo da vítima, Porém, Rupert retorna para buscar sua cigarreira, que supostamente esquecera; o que realmente quer é fazer as perguntas cruciais.

Impressiona neste filme o fato de ter sido inteiramente rodado em plano-sequência, isto é, a ação era contínua. As tomadas tinham cada qual 10 minutos, mas era e continua sendo imperceptível, para o público médio, a passagem de uma para outra. A intenção era criar uma atmosfera teatral, equiparando o filme à peça inglesa “Rope’s End”, de Patrick Hamilton.

A única cena externa é um plano geral filmado da altura do andar em que o apartamento se encontra, onde a câmera, fixa em seu eixo, captura obliquamente a passagem de alguns transeuntes pela calçada, enquanto sobem os créditos. Um destes transeuntes é o próprio Hitchcock, inclusive.

Outro aspecto a se ressaltar é a fotografia. Primeiro filme de Hitchcock feito em technicolor, através da Direção de Fotografia de Joseph Valentine – aliás, muito conveniente à proposta do cineasta – conta, além da cor, com ilimunação, figurino e cenários que não poderiam ser diferentes, senão vejamos:

A iluminação é brilhante, porquanto em segundo plano, através de uma larga janela, se vê a cidade de Nova Iorque (que era, na verdade, um enorme ciclorama com nuvens de fios de vidro e miniaturas da cidade, iluminado por 2.000 lâmpadas incandescentes e 200 letreiros luminosos). Contudo, é bem realista, uma vez que as nuvens se movem, vê-se sair fumaça de chaminés e, gradativamente, o sol vai se pondo e as luzes da cidade vão se acendendo.

O cenário é cubista (toda a ação se desenrola no interior do apartamento), provocando assim uma tensão mais forte para o espectador, que não tem muito com o que se distrair. Isto viabilizou que Hitchcock desse um show de criatividade, no sentido da criação do suspense, através de diversos movimentos inteligentes de câmera.
O figurino é modesto – observados, é claro, os costumes e padrões da época e do lugar – mas o de Rupert (Stewart) certamente tem algo de distintivo perante os demais; isto quer significar o fato inequívoco de que tal personagem ocupa posição de destaque no thriller.

A película foi rodada no estúdio que o próprio Hitchcock montara – a Companhia Transatlantic Pictures – cujo co-proprietário era Sidney Bernstein, que posteriormente produziu alguns filmes do mestre. A música é de Bernard Hermann (vide os momentos em que Phillip toca piano), que também trabalhou com Hitchcock em muitos de seus filmes.

Para finalizar, é de bom alvitre deixar uma certa discussão no ar, da mesma forma que foi feito à época: a questão da homossexualidade de Brandon e Phillip.

Isto não é comprovado, e nem há qualquer menção a respeito durante todo o transcorrer da narrativa. Mas há quem note este teor, e vale lembrar que o argumento é uma adaptação da peça teatral inglesa, que continha inúmeras passagens que, quando acomodadas ao inglês americano tomavam feições, digamos, um tanto sugestivas. Como os EUA, entretanto, eram uma nação ainda muito preconceituosa e hipócrita – ainda o são, em certa medida –, não permitiriam de forma alguma uma homossexualidade explícita, e por isso muitos cortes no texto foram feitos por Arthur Laurents. Há quem sugira até mesmo que Brandon tivera anos antes um caso com Rupert. Em todo caso, são especulações que, aparentemente, nunca encontrarão uma resposta concreta e definitiva.

Este filme é um marco da carreira do mestre do suspense Alfred Hitchcock e da história do cinema mundial. É esplendoroso e deve ser visto.

7 comentários:

  1. Tenso e instigante.Excelente filme!
    Adorei a crítica!Qual será a próxima?
    haha

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  2. Obrigado, Carol! hehehe
    tô escrevendo sobre o "Jogo de Cena", documentário brasileiro de 2006, do Eduardo Coutinho. Acredito que será o próximo texto aqui, seguido de "Possessão", de 1981, do Andrei Zulawski, já que esses dois são textos que eu precisava ter entregue na Caiana quando terminei o curso, mas que até então não tinha conseguido tempo pra fazer.
    Por outro lado, tenho um texto escrito sobre o penúltimo filme do Woody Allen ("Você vai conhecer o homem dos seus sonhos"), e posso acabar postando-o depois do "Jogo de Cena" :)
    Ainda tô decidindo; mas, de qualquer forma, acompanhe e, principalmente, assista esses filmes, que são demais! :D

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  3. Fiquei curiosa pra ler a crítica de ''Possessão'',que filme pesado,angustiante,absurdo,intenso³...louco!Mas não deixa de ser excelente.Em mim,provocou uma profunda tristeza depois da sessão.Nossa!E ''Jogo de Cena'' é lindo,emocionante...um dos meus favoritos.Vi esses dois na Caiana também,no curso de crítica,fiz ano passado. (:
    E do Woody Allen não consegui assisti...mas esse é 8 ou 80?!
    haha

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  4. hehehehe
    A ideia de fazer a "crítica" de uma filme como Possessão é pra mim muito assustadora... acredito que eu não vá conseguir colocar num texto tudo que o filme quis passar ou mesmo as principais mensagens, pq quando fazemos um mergulho profundo nessa narrativa, vamos só afundando mais e mais rumo a um complexo de possibilidades e dicotomias... mas vou tentar xD
    O texto sobre o Jogo de Cena, por outro lado, tá saindo numa boa... é um filme excelente, muito bem bolado, e fácil de se interpretar =]
    Que legal que vc fez o curso! agora sei que temos muitas ideias construtivas a trocar =D
    como assim 8 ou 80 o filme do Woody? hehe
    falando nele, descobri que deixei um texto incompleto sobre o meu filme favorito dele, o "Neblina e Sombras". Então pode ser que eu dê continuidade a ele em breve e poste =]

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  5. ''Vicky Cristina Barcelona'',''Match Point'',''Noivo Neurótico Noiva Nervosa'' na minha concepção são filmes muito bons,mesmo.Semana passada fui assistir ''Bananas'' e ''Sonhos eróticos de uma noite verão''...nossa!quase eu durmo.Chato,cansativo...Daí que vem a minha revolta:8 ou 80.
    Ainda não assisti ''Neblinas e Sombras'' :S

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  6. haeuhaehahehaeh
    Bom, sou suspeito pra falar do Woody, até pq ele é um dos meus grandes ídolos. Mas até hoje não consegui achar chato ou monótono nenhum filme dele, pq apesar de o ritmo às vezes ser lento, ele sempre dá um jeito de introduzir os pensamentos dele (com os quais eu concordo quase totalmente) através das falas de alguma personagem. Eu já fico esperando isso, hehe. Esses que citaste, por exemplo, eu adoro! =D
    Agora se é pra recomendar algum, recomendo fortemente 3: 'neblina e sombras', 'boris grushenko' e o recente 'tudo pode dar certo'. São todos filmaços!

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  7. Igor,

    Adorei o teu blog. Gostei muito do teu texto. Direto e enxuto. Fiquei com uma vontade tremenda de assistir o filme. Estou esperando mais.Um diferencial do teu blog, é que realmente não deixas a tua interpretação tomar contar do principal que é o filme. Parabéns! Vou visitar sempre! Abraços!

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