segunda-feira, 29 de março de 2010

“Viridiana”, de Luis Buñuel (1961)


Falar em Luis Buñuel é falar, em primeiro lugar, em arte niilista. Não há sequer um filme do cineasta em que não se encontre uma boa dose de inquietação e subversão às convenções sociais que limitam a plena liberdade humana. Buñuel, expoente do surrealismo no cinema – que foi, inclusive, amigo íntimo de Salvador Dalí – não poderia ter deixado suas opiniões mais explícitas em um filme como o deixou em “Viridiana”.
Para começar, era ateu. Fica mais do que claro no filme, que tem um pano de fundo insistentemente eclesiástico, o modo com que Buñuel desconstrói a religião e diversos valores morais.
O primeiro exemplo disto é o próprio nome “Viridiana”, pertencente a uma santa católica do século XIII, que contrasta com a personalidade da personagem, como explicarei ao fim do texto. O uso do referido nome rendeu ao filme uma condenação, pelo Papa João XXIII, por blasfêmia e indecência.
Viridiana (Silvia Pinal) é uma moça jovem e bem atraente que, contudo, pretende tornar-se freira. Reside em um convento e é uma noviça. Sua vida tem um andamento notadamente pacífico e inalterável, até que a Madre Superiora a informa que um tio (Don Jaime) deseja vê-la. Este tio, explica a Madre, foi responsável pelo pagamento de diversas despesas, como o dote de Viridiana, por exemplo, razão pela qual seria injusto não fazer-lhe uma visita.
Tão logo chega à casa de Don Jaime (Fernando Rey) – onde mora também sua criada Ramona (Margarita Lozano), a criança, filha desta, e um outro criado –, é franca com este, dizendo que nunca lhe teve muito apreço, porque este sempre dera auxílio material, porém nunca calor humano.
O tio é retratado, em diversas críticas, como um pervertido. Não encaro desta maneira. O que ocorre, na verdade, pode ser explicado por um viés psicanalítico: trata-se da obsessão que tinha por sua amada (tia de Viridiana), que morrera no dia em que iam casar-se, e que fez com que Don Jaime a projetasse em Viridiana e acabasse por venerá-la, dada a enorme similaridade física entre as duas. Caso mais ou menos semelhante pode ser citado: o de “Um corpo que cai”, de Alfred Hitchcock, onde o protagonista torna-se obcecado por uma pintura de Carlota Valdez, que era deveras parecida com a mulher que este seguia, na qualidade de detetive, por quem acaba apaixonando-se. Mais adiante, o assunto tornará a ser discutido.
Prosseguindo, Viridiana instala-se na residência de Don Jaime e, a partir de então, muitas coisas curiosas são demonstradas.
Em primeiro lugar, a sensualidade da noviça é colocada em foco o mais cedo possível. Talvez desde o momento em que a personagem troca de roupa em seus aposentos de hóspede e, numa sequência magistral, é filmada retirando lentamente as meias; o faz com expressão, porém, de inocência. A retirada da roupa contrasta com a indumentária exagerada das mulheres clericais, que impede a valorização de sua beleza. Ou talvez pelo simples fato de ser muito bonita. E contrasta também com a polêmica questão da castidade, que é posta em cheque. Aí reside uma boa crítica, fundada no ódio que tinha Buñuel por costumes que levassem a inutilidades ou que fossem contra a natureza humana.
Neste ínterim, uma curiosa sequência chama a atenção. O momento em que o outro criado de Don Jaime está ordenhando as vacas, e Viridiana pede para fazê-lo também, porque gostaria de ter esta sensação, nunca antes experimentada. O modo com que segura o teto da vaca, e como isto é filmado em close, de forma relativamente demorada e sem música de acompanhamento, prendendo a atenção do espectador, faz crer que o teto do animal representa, de maneira bem sutil, o falo masculino. Eis outra crítica, até satírica, de Buñuel.
Com o passar dos dias na casa, Don Jaime percebe o quanto Viridiana segue diariamente ritos religiosos. Arma sua cama no chão, exibe às câmeras uma coroa de espinhos (idêntica à de Jesus), e veste-se com camisola de linho grosso – tecido considerado grosseiro, pois arranhava a pele. Tudo isto são signos da metaforização, que faz Buñuel, da auto-flagelação que Viridiana empreende, talvez por considerar-se alguém passional, capaz de desejar e amar como qualquer outro ser humano. De forma oportunista, a noviça é mostrada ainda como sonâmbula, em uma sequência na qual, trajada tal qual Jesus Cristo (descalça e com a camisola já referenciada, em ato de penitência), leva uma cesta até a lareira, remove seu conteúdo, enche-a de cinzas, e depois as deposita na cama de Don Jaime. Mais adiante, o espectador compreende o porquê disto: a própria Viridiana, questionada pelo tio a respeito deste ato, explica que as cinzas representam penitência e morte; ele, então, associa a primeira a Viridiana (por querer tornar-se freira), e a segunda a si próprio (como conseqüência da velhice). Entretanto, não é bem o que ocorre. Já chego lá.
Vale ressaltar que, em uma seqüência maravilhosa que precede o momento em que Don Jaime vê Viridiana em estado de sonambulismo, é mostrado em vias de vestir as roupas da sua falecida esposa, uma vez que calçara seu salto alto e já examinava o espartilho. Alguns podem interpretar nisto nuances de homossexualismo. Porém, o refuto. Acredito que tudo isto é, ainda, parte do transtorno desenvolvido por ele em razão da morte precoce da mulher amada, a qual, repito, projetava na protagonista. Acrescente-se que isto ocorre sob o embalo de música sacra (mais uma sátira, portanto). Em virtude deste transtorno, chega a pedir que vista-se de noiva e, após, a propor-lhe casamento. Viridiana acha isto um insulto, algo inadmissível, impossível de se consumar, dada a sua vocação religiosa. Desta feita ofende-se, e pretende deixar a casa, o que enseja a medida urgente de Don Jaime de dar-lhe um remédio para dormir. É quando chega quase ao ponto de aproveitar-se da moça, pois chega a beijar-lhe a boca e o colo, mas não passa disto. Porém, no desespero de mantê-la na casa a qualquer custo, conta a ela no dia seguinte que fez de tudo com seu corpo adormecido, e diz a ela que, em virtude disso, não poderia mais ser uma mulher clerical. Ao receber esta notícia, Viridiana fica transtornada, e quer ainda mais fortemente sair dali, o que realmente faz, não obstante o tio depois desmentir toda a história.
Viridiana sai. Don Jaime então suicida-se por enforcamento.
O mestre Buñuel não economiza em confrontar coisas antagônicas de maneira brutal. Exemplo disto é que, em uma das primeiras sequências do momento em que a noviça chega na casa de seu tio, é mostrada a criança, filha da empregada Ramona, pulando corda no quintal; pois bem, Don Jaime enforca-se com a mesma corda. Isto provoca o inevitável cotejo entre pureza e inocência infantil com o desespero atroz do suicídio, descortinando assim os dois lados do ser humano. A natureza do tio é completamente oposta à da sobrinha, tendo em vista a pureza desta. Esta pureza é constantemente apregoada, como na sequência em que pula corda juntamente com a criança, onde ocorre a equiparação das duas. Outra coisa: o suicídio de Don Jaime é feito nos moldes durkheimianos, ou seja, como ato social do feitio do ser humano, indo contra a visão – que Buñuel acaba colocando como hipócrita – cristã, que domina o ocidente.
A película em questão é absolutamente múltipla. Fica evidente para o espectador que há vários momentos (ou etapas). Parece muitos filmes em um.
Sendo assim, após a tragédia supramencionada, Viridiana é informada; sentindo-se culpada, desiste de tornar-se freira, deixa o convento, e passa a residir na casa que era de seu tio. Resolve então fazer dela um abrigo para mendigos, cuja intenção era não somente tirá-los das ruas, mas também dar-lhes trabalho e educá-los. Em uma palavra, civilizá-los. Porém, os paupérrimos indivíduos não comportam-se como o esperado. Bondade, generosidade, solidariedade são atos que ficam desmoralizados em face da ingratidão dos mendigos. Buñuel critica a perda de tempo humana na realização de atos inúteis, pois nos abre os olhos para a mesquinharia das pessoas, que querendo ser individualistas, não conhecem o conceito, e acabam sendo egoístas.
Outro fato marcante desta virada do filme é a chegada de Don Jorge (Francisco Rabal), filho do falecido. Ele faz o tipo “garanhão americano”, que logo apaixona-se por Viridiana, sua prima, embora o filme não deixe isso tão manifesto em momento algum.
Insisto em falar de Buñuel, pois um filme deste cineasta se explica pelo próprio cineasta. Assim, em dois momentos demonstra sua desesperança e seu pessimismo para com o mundo: quando Don Jorge compra um cachorro que estava atrelado à parte de baixo de uma charrete – na época era costume, pois caçavam coelhos – para livrá-lo dos maus tratos, mas, em seguida, outro é focalizado debaixo de outra charrete, e ele então vê que nada pode fazer para resolver o problema; e quando o rapaz diz a Viridiana que não adianta abrigar os mendigos e dar-lhes tudo de que precisam, pois há ainda outros tantos na mesma situação, e praticar o assistencialismo é só uma forma de apaziguar temporariamente a mazela, e apenas para algumas pessoas, de modo que ela irá, inevitavelmente, se perpetuar. O caso do cachorro é também uma crítica ao assistencialismo.
Outra grande ironia é a seqüência em que Don Jorge descobre um crucifixo que o pai guardava em uma gaveta, e percebe que é ao mesmo tempo um canivete.
Destaco agora aquelas que considero as 2 melhores seqüências do filme:
Primeiramente, a do o momento de reza no jardim, presidido por Viridiana. A casa de Don Jaime está neste momento sendo reformada, para ser adaptada a um albergue de mendigos. Alternadamente é exibida a reza e a atividade dos pedreiros. A construção e reforma da casa representam a desconstrução que deseja Buñuel fazer da ortodoxia cristã.
A outra admirável – e até mesmo surpreendente – seqüência é a da ceia dos mendigos, paródia feita à pintura intitulada “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci, aqui satirizada pelos modos aviltantes com que se portam; quando chegam ao ponto de tentar um ato sexual forçado com Viridiana, são finalmente expulsos.
Como era de se esperar – porque no cinema sempre há um pouco de previsibilidade –, o Diretor deixa implícito que Viridiana começa a apaixonar-se pelo primo, pois passa a explorar a própria beleza física, como na seqüência em que bate na porta de seu quarto e, abrí-la, Don Jorge se depara com uma Viridiana de cabelos soltos, exalando sensualidade. Mas, para evitar a pieguice que um beijo poderia provocar neste momento, Don Jorge apenas pergunta a ela se há algo de errado, se aconteceu alguma coisa. A mudança de Viridiana – em última análise, outra virada do filme – quer significar sua incursão (e a do próprio espectador) no bom lado do mundo não-eclesiástico, o que é patente na genial seqüência final, da qual não tratarei aqui. A intenção é mostrar o mundo de todos, recheado que é de paixões, sentimentos, apesar de todos os motivos que possam conduzir a desilusões, desesperanças, pessimismos, ou mesmo ao ateísmo.

sexta-feira, 19 de março de 2010

“Como era verde meu vale”, de John Ford (1941)

Após nos presentear com belíssimos westerns como “Rastros de Ódio” e “No Tempo das Diligências”, o diretor John Ford, que não só mostrou ao mundo que o cinema western é digno de aplausos, como também catapultou John Wayne ao sucesso, faz-nos render reverências mais uma vez com “Como era verde meu vale”. Principalmente por não seguir sua linha habitual, por não estar no terreno costumeiro do cineasta.
Trata-se de um drama, ambientado no País de Gales, na mesma época de sua produção.
O filme, contemplado que foi com 5 Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia em Preto e Branco, Melhor Direção de Arte em Branco e Preto e Melhor Ator Coadjuvante), faz jus à premiação. São poucos os filmes que nos emocionam não importa quantas vezes os assistamos, e este é um deles. Há críticas, por exemplo, pelo fato de que recebeu imerecidamente o Oscar de Melhor Filme, por tê-lo “tirado” de “Cidadão Kane”, de Orson Welles (considerado por muitos o melhor filme já feito).
Não obstante – e não tirando o mérito de “Cidadão Kane”, indiscutivelmente um filme impecável – “Como era verde meu vale” tem também seus prós.
Versa, acima de tudo, sobre a história de uma família. Mas o que é mais interessante é que agrega, como pano de fundo, elementos políticos, sociais, econômicos e morais; ainda por cima de maneira propositalmente escancarada. Daí poder-se dizer, qual o The New York Times, que é um filme de “grande charme e personalidade”.
Junte-se a isto o fato de ter sido produzido por Darryl F. Zanuck, um dos maiores produtores da história do cinema.
O protagonista é o garoto Huw Morgan (Roddy McDowall), caçula de uma prole composta por 6 irmãos ao todo (5 homens e uma mulher). Como era costume dizer-se nas peças escritas para serem encenadas no teatro, “quando o pano sobre” o narrador-personagem Huw Morgan, com 60 anos de idade, está prestes a deixar o vale onde residiu por toda a sua vida até então e, ao observá-lo destruído, sujo, e sentir falta de sua família e amigos – agora já falecidos – tem um momento nostálgico, e passa a lembrar-se detalhadamente dos bons (e maus) momentos de sua infância.
A partir de então, John Ford lança mão de dois elementos que nos fazem ter o mesmo sentimento saudosista de Huw: a trilha sonora deveras melancólica e a perfeita fotografia em preto e branco. Tudo isto nos deixa à vontade, fazendo com que nos sintamos personagens; parte do todo que é a história daquele lugar.
Vê-se as pessoas felizes e em harmonia, as tradições familiares, a cultura galesa de meados do séc. XX. Há uma ênfase enorme no dia-a-dia dos trabalhadores das minas de carvão (destaque-se que os 4 irmãos homens de Huw e seu pai também o eram). É recorrente no transcorrer do filme o modo como Ford insiste em nos mostrar a religiosidade, a força, a respeitabilidade e a honra das famílias. Fica mais do que explícita sua preocupação em demonstrar o quanto os costumes foram subvertidos pela modernização social que, em contrapartida, trouxe a degeneração cultural e o individualismo.
Ao longo da “fita”, há um desenrolar de acontecimentos de onde se depreende a decadência moral advinda dos primeiros ideais socialistas, o movimento operário, a luta pelos direitos sociais dos trabalhadores. Sempre se comenta a respeito do progresso que estas lutas trouxeram, mas nunca se explora o lado subversivo da bela e humana cultura. E isto vale para todo o mundo e para toda forma de progresso que sacrifique os costumes.
É emocionante acompanhar a trajetória de um menino inocente que, vendo a sociedade transformar-se tanto, mormente por se estar vivendo o período da 2ª Guerra Mundial, transforma-se também, passando a assimilar o que seus irmãos mais velhos já sabiam a respeito de união familiar; cite-se também a maturidade que ganhou com as brigas na escola (teve o privilégio de ser o único dos filhos a freqüentá-la), e o fato de que, não obstante havê-la concluído, resolver não ir para a faculdade, mas trabalhar nas minas como seu pai e seus irmãos.
Outra personagem curiosa é a sua única irmã, Angharad, interpretada por ninguém menos que Maureen O’Hara (de “Milagre na Rua 34”). É extremamente recatada, e educada para ser idêntica à mãe, isto é, viver para cuidar da casa, do marido e dos filhos. Porém, tem problemas quando acaba por apaixonar-se pelo padre do vilarejo, que corresponde ao sentimento, e acaba precisando ir embora. Angharad acaba casando-se com um homem rico, filho do dono das minas de carvão, e torna-se uma mulher infeliz; mas sempre com esperanças de um dia reencontrar o padre, e passar o resto de seus dias ao lado deste. É quando John Ford põe em campo um elemento na época muito rechaçado: cogitação de divórcio. Sempre representando a degeneração cultural e sua transição.
Filme apaixonante, capaz de arrebatar o coração de todos aqueles que consideram a família e suas tradições como valores intocáveis e, ao mesmo tempo, causar repúdio ante a deslindação dos antagonismos do progresso político e econômico, paradigma arraigado e eterno da humanidade.


quarta-feira, 10 de março de 2010

"A Imperatriz Vermelha", de Josef Von Sternberg (1934)


Diretamente da safra daquelas atrizes da época áurea hollywoodiana, aquelas divas charmosas, vanguardistas, à frente de seu tempo; destas, emerge Marlene Dietrich, que seguiu os passos de tantas outras atrizes que desempenhavam papéis de mulheres independentes e inteligentes, tais como Tallulah Bankhead, Audrey Hepburn, Rita Hayworth, dentre outras. Descoberta por Josef Von Sternberg, estrelou seu "O Anjo Azul", em 1930, e 4 anos depois nos brindou com esta obra-prima também de Sternberg: "A Imperatriz Vermelha".
O filme, de cunho histórico - ambientado no séc. XVIII -, visa retratar a história da Czarina Catarina II (Dietrich) da Rússia, uma das mais imponentes e polêmicas da História desta nação.
Escolhida ainda bem jovem, pela Imperatriz da época, para casar-se com Pedro (Sam Jaffe) - o grão-duque - e prover um novo herdeiro homem para o trono, deixou seus familiares e, ao chegar ao Palácio Real, na esperança de encontrar um homem alto, forte, cortês e culto, frustrou-se ao ver-se diante de um bestial, louco e terrivelmente feio ser humano, sendo obrigada ainda a mudar de nome - chamava-se àquele tempo Sophia Frederica - e de religião. Com tudo isto, além da postura altiva e adulta que o cargo reclamava, forçosamente amadureceu de maneira precoce, e tornou-se uma mulher fria, encarando aquele estereótipo da nobe ornamentada de jóias e cônscia do que representava para a sociedade. Contudo, por dentro, sempre manteve resquícios da jovem passional que era, e acabou por apaixonar-se pelo Conde Alexei (John Lodge), o que foi recíproco, e o filme deixa implícito que mantinham relações sexuais às escondidas, dados os encontros furtivos com o Conde, bilhetinhos que trocavam etc.
O filho nasce, a Imperatriz morre. Inclusive a Imperatriz é uma personagem tão severa e mal-humorada, que chega a ser engraçada para alguns, perturbadora para outros (para estes, sobretudo, por externar tanto amor à Monarquia russa, e por acreditar tão irredutivelmente estar ali por direito divino, demonstrando imenso conservadorismo ideológico; é que o diretor tenta demonstrar o quão angustiante era a sociedade da época, mormente para os súditos e, em geral, para aqueles que viviam sob o mesmo teto de pessoas desta espécie). Ressalte-se que o filme foi inspirado no diário da própria Catarina II, o que lhe confere maior intensidade e verossimilhança.
Completamente impregnado de erotismo quase que declarado, em analogia à promiscuidade que existia não só nesta Realeza, mas em muitas outras, de diferentes lugares e épocas, o filme constrói imagens sediciosas e intranquilas (ainda que discretas) ao âmago do espectador plácido, desmascarando o que de mais sórdido ocorria, revelando uma desordem moral comandada por pessoas mesquinhas, autoritárias, sádicas, cruéis, ao invés da boa impressão que nos passam algumas pinturas e alguns historiadores não compromissados com o lado amargo da verdade.
É de se destacar também que, devido ao fato de o filme ser de 1934, palmilhava-se ainda o terreno da transição do cinema mudo para o falado, o que é evidentemente perceptível durante todo o transcorrer da película, notadamente por grande parte ser musicada, por haver, de intervalos em intervalos (sempre que se passava de um importante momento para outro), letreiros que narravam a estória, e ainda acelerações na reprodução, o que era responsável por impedir a perda de concentração do espectador.
Outra coisa que chama também muita atenção é o vívido expressionismo importado da Alemanha, marcado por estátuas monstruosas, penumbra constante, expressões que incomodam (sobretudo a do grão-duque Pedro), entre outros elementos.
Filme interessantíssimo para quem quer descobrir o que acontecia nos "bastidores" da Rússia pré-Revolução e, é claro, para o fã de cinema.