Trata-se de um drama, ambientado no País de Gales, na mesma época de sua produção.
O filme, contemplado que foi com 5 Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia em Preto e Branco, Melhor Direção de Arte em Branco e Preto e Melhor Ator Coadjuvante), faz jus à premiação. São poucos os filmes que nos emocionam não importa quantas vezes os assistamos, e este é um deles. Há críticas, por exemplo, pelo fato de que recebeu imerecidamente o Oscar de Melhor Filme, por tê-lo “tirado” de “Cidadão Kane”, de Orson Welles (considerado por muitos o melhor filme já feito).
Não obstante – e não tirando o mérito de “Cidadão Kane”, indiscutivelmente um filme impecável – “Como era verde meu vale” tem também seus prós.
Versa, acima de tudo, sobre a história de uma família. Mas o que é mais interessante é que agrega, como pano de fundo, elementos políticos, sociais, econômicos e morais; ainda por cima de maneira propositalmente escancarada. Daí poder-se dizer, qual o The New York Times, que é um filme de “grande charme e personalidade”.
Junte-se a isto o fato de ter sido produzido por Darryl F. Zanuck, um dos maiores produtores da história do cinema.
O protagonista é o garoto Huw Morgan (Roddy McDowall), caçula de uma prole composta por 6 irmãos ao todo (5 homens e uma mulher). Como era costume dizer-se nas peças escritas para serem encenadas no teatro, “quando o pano sobre” o narrador-personagem Huw Morgan, com 60 anos de idade, está prestes a deixar o vale onde residiu por toda a sua vida até então e, ao observá-lo destruído, sujo, e sentir falta de sua família e amigos – agora já falecidos – tem um momento nostálgico, e passa a lembrar-se detalhadamente dos bons (e maus) momentos de sua infância.
A partir de então, John Ford lança mão de dois elementos que nos fazem ter o mesmo sentimento saudosista de Huw: a trilha sonora deveras melancólica e a perfeita fotografia em preto e branco. Tudo isto nos deixa à vontade, fazendo com que nos sintamos personagens; parte do todo que é a história daquele lugar.
Vê-se as pessoas felizes e em harmonia, as tradições familiares, a cultura galesa de meados do séc. XX. Há uma ênfase enorme no dia-a-dia dos trabalhadores das minas de carvão (destaque-se que os 4 irmãos homens de Huw e seu pai também o eram). É recorrente no transcorrer do filme o modo como Ford insiste em nos mostrar a religiosidade, a força, a respeitabilidade e a honra das famílias. Fica mais do que explícita sua preocupação em demonstrar o quanto os costumes foram subvertidos pela modernização social que, em contrapartida, trouxe a degeneração cultural e o individualismo.
Ao longo da “fita”, há um desenrolar de acontecimentos de onde se depreende a decadência moral advinda dos primeiros ideais socialistas, o movimento operário, a luta pelos direitos sociais dos trabalhadores. Sempre se comenta a respeito do progresso que estas lutas trouxeram, mas nunca se explora o lado subversivo da bela e humana cultura. E isto vale para todo o mundo e para toda forma de progresso que sacrifique os costumes.
É emocionante acompanhar a trajetória de um menino inocente que, vendo a sociedade transformar-se tanto, mormente por se estar vivendo o período da 2ª Guerra Mundial, transforma-se também, passando a assimilar o que seus irmãos mais velhos já sabiam a respeito de união familiar; cite-se também a maturidade que ganhou com as brigas na escola (teve o privilégio de ser o único dos filhos a freqüentá-la), e o fato de que, não obstante havê-la concluído, resolver não ir para a faculdade, mas trabalhar nas minas como seu pai e seus irmãos.
Outra personagem curiosa é a sua única irmã, Angharad, interpretada por ninguém menos que Maureen O’Hara (de “Milagre na Rua 34”). É extremamente recatada, e educada para ser idêntica à mãe, isto é, viver para cuidar da casa, do marido e dos filhos. Porém, tem problemas quando acaba por apaixonar-se pelo padre do vilarejo, que corresponde ao sentimento, e acaba precisando ir embora. Angharad acaba casando-se com um homem rico, filho do dono das minas de carvão, e torna-se uma mulher infeliz; mas sempre com esperanças de um dia reencontrar o padre, e passar o resto de seus dias ao lado deste. É quando John Ford põe em campo um elemento na época muito rechaçado: cogitação de divórcio. Sempre representando a degeneração cultural e sua transição.
Filme apaixonante, capaz de arrebatar o coração de todos aqueles que consideram a família e suas tradições como valores intocáveis e, ao mesmo tempo, causar repúdio ante a deslindação dos antagonismos do progresso político e econômico, paradigma arraigado e eterno da humanidade.
Mais uma vez tenho o prazer de ler seus posts muito bem escritos. Difícil pensar que eu me considerava cinéfila e depois de ler seu blog descobri que não vi muitos filmes importantes. ^^
ResponderExcluirAcho que o seu blog funciona como um "fica a dica" para mim, já que sempre vou direto para a locadora procurar os inúmeros títulos que você já citou por aqui.
Continue escrevendo. Até agora nenhuma dica me decepcionou, muito pelo contrário.
ooownnn cibele, obrigado!
ResponderExcluiré uma honra receber um elogio assim de uma pessoa que, a meu ver, conhece muito de cinema :D